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    Ricardo Nêggo Tom

    Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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    A divindade de Pablo Marçal, a demonização de Madonna, e a macumba que causa enchentes no Rio Grande do Sul

    Os perigosos devaneios de um cristianismo placebo, irresponsável e criminoso, irá destruir a sociedade

    Pablo Marçal (Foto: Reprodução (Youtube))

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    Segundo o dicionário da língua portuguesa, a definição de fuleragem está ligada a falta de seriedade e a um comportamento malicioso. Em algumas regiões do país essa definição pode sofrer variações semânticas que licenciam poeticamente o termo, permitindo o seu emprego em situações diversas. Diz-se da pessoa muito gaiata ou festiva, que ela gosta de uma fuleragem. Também dizemos sobre alguém mentiroso e pernóstico, ou de algo que julgamos ter pouco valor que, aquele ou aquilo, é fuleiro. Lamentavelmente, mesmo diante da tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul, somos obrigados a conviver com os mais variados tipos de fuleragem capazes de serem produzidas por gente cretina, fanática, irresponsável e perversa.

    Há muito tempo venho escrevendo nesta coluna sobre a minha preocupação com o avanço permissivo e desenfreado do neopentecostalismo imperialista no Brasil. Um país cuja educação pública é propositalmente sucateada para não permitir o desenvolvimento do senso crítico dos mais pobres, e facilitar que crenças e costumes construam a mentalidade e formem a opinião dessas pessoas. Nesse caso, o macro temporalismo predominante nas mentalidades é estruturalmente disseminado de modo a perpetuar pensamentos e comportamentos em sociedade. Quando se diz que o Estado é laico, mas somos uma sociedade predominantemente cristã, por exemplo, se limita a perspectiva de progressão e evolução social, cultural e, até mesmo, humana, desta sociedade, sob a obrigação moral de manutenção dos dogmas ligados a tal cultura religiosa.

    Quando o sociólogo inglês Stanley Cohen cunhou a expressão “pânico moral”, a partir de uma análise do comportamento social diante de ideologias e indivíduos considerados “desviantes”, ele também relaciona o conceito, principalmente, às doutrinas religiosas consideradas predominantes ou padrões dentro da sociedade britânica nos anos 1970. Questões ligadas à sexualidade e ao gênero das pessoas, eram as que mais causavam pânico entre as pessoas, quando apresentadas de forma exagerada, mentirosa ou distorcida da realidade. Se o termo Fake News veio a sua mente, sorria. Você está antenado. A estigmatização de pautas sociais progressistas por parte dos chamados conservadores, é uma das estratégias para disseminar o pânico moral na sociedade. E o potencial destruidor desse projeto político de dominação se amplia, quando a demonização religiosa do outro está por trás do estigma. No caso da sexualidade e do gênero citados anteriormente, pessoas que se identificam de maneira diferente do que é considerado padrão, são apresentadas como inimigas de Deus, aberração da natureza, mau exemplo para as crianças, entre outras estultices.

    Quando uma influenciadora branca e cristã grava um vídeo dizendo que o desastre ambiental no Rio Grande do Sul é um castigo de Deus para o povo gaúcho, em função do grande número de “terreiros de macumba” existentes no Estado, ela soa um apito de cachorro para pessoas cuja mentalidade social foi construída a partir de crenças e costumes herdados do ambiente familiar ou absorvidos pelo convívio com muitos agentes conservadores. Tal fala suscita a ideia de que os locais de culto de matriz africana precisam ser destruídos ou outras tragédias se abaterão em todos os lugares onde eles estejam presentes. Além de criminosa, tal afirmação estabelece um caos psicológico no ambiente social, criando relações existenciais “divinamente” antagônicas e odiosas entre os indivíduos que nele habitam. Se o foco da influenciadora foi a religião africana, o foco do coach evangélico Pablo Marçal, ao dizer que o show de Madonna em Copacabana foi um ritual satânico que ofereceu os corpos das vítimas das enchentes para “satã”, foi apresentar o comportamento da cantora como desviante e perigoso para a sociedade.

    Logicamente, as performances exibidas por Madonna e seus bailarinos, não são mais perigosas, do ponto de vista comportamental, do que as atitudes de um sujeito que promete fazer uma mulher na cadeira de rodas voltar a andar em nome de Jesus, não consegue e responsabiliza a fiel pelo insucesso da ação, sugerindo que ela não teve fé o suficiente no milagre proposto por ele. O que pode ser conferido neste vídeo: https://twitter.com/antoniotabet/status/1788751111312003224 , onde Pablo Marçal naturaliza o charlatanismo e tudo aquilo que realmente deveria colocar a sociedade em pânico. O mesmo sujeito está usando a tragédia no Sul para se promover pessoalmente por meio de doações feitas às vítimas, e tentar capitalizar politicamente a sua solidariedade com os desabrigados. Vale lembrar que Marçal foi pré-candidato à presidência em 2022, e já ventila a possibilidade de ser uma hipótese política ao governo de São Paulo em 2026.

    O caráter do tal coach parece mesmo ser bem duvidoso. De acordo com uma matéria da revista Fórum, Pablo Marçal foi condenado em 2010 por ter participado de uma quadrilha que desviou dinheiro de bancos em 2005. Segundo um trecho da matéria, a quadrilha criava sites falsos de instituições financeiras, tais como Caixa e Banco do Brasil, disparava e-mails acusando as vítimas de inadimplência e roubava informações ao hackear os computadores com os conhecidos vírus chamados de "cavalo de Troia". Marçal teria confessado ser integrante do grupo, mas jurou que não sabia a quais fins se destinaria as ações da quadrilha. Sua pena foi extinta por prescrição retroativa e ele seguiu livre, leve e solto, para construir um patrimônio avaliado em R$ 96,2 milhões, segundo declaração feita ao TSE, em 2022. Fortuna que ele também jura ter conquistado com honestidade. Bolsonarista e evangélico, Pablo Marçal é um dos agentes do imperialismo neopentecostal na sociedade brasileira, que tem por missão disseminar a teologia do domínio em todo canto e sobre todas as criaturas viventes. Um projeto de poder que, caso se estabeleça, representará a total destruição do tecido social no país.

    Esses mesmos agentes neopentecostais imperialistas são responsáveis pela pregação de um evangelho politicamente favorável às suas pretensões e por difundirem entre os fiéis um cristianismo placebo, irresponsável e criminoso, no qual Jesus Cristo é utilizado como chefe de uma quadrilha fundamentalista que pretende saquear as liberdades e os direitos individuais das pessoas, submetendo-as à autoridade de líderes religiosos que teriam sido “ungidos” por ele para governarem a nação. Aqueles que por ventura resistirem ao domínio do senhor imperialismo evangélico, serão apontados como seres desviantes, subversivos e potenciais inimigos da implementação do “reino de Deus” na terra. A esses será destinada toda sorte de acusações, calúnias e infâmias, por constituírem uma ameaça às normas sociais e aos interesses da “comunidade”. O Kit gay, a mamadeira de piroca, o banheiro unissex, a carne de cachorro como alimento de um povo sob o governo socialista, entre outras pérolas do cancioneiro bolsonarista, ilustram bem o pânico moral com fins políticos, lançado na sociedade.

    O apelo a ser feito a todos, todas e todes de boa vontade, é que não aceitem o nazi fascismo evangélico como senhor e destruidor de suas vidas. A democracia e as liberdades individuais estão em risco. E não se preocupem quanto a “ira divina”, porque, na verdade, ela é apenas a manifestação do ódio existente dentro de cada um desses agentes do caos que se julgam deuses e querem que todo joelho se dobre diante da autoridade divina que eles acreditam possuir. É preciso deixar claro para esses fascistas e falsificadores do evangelho, que nem todo joelho se dobrará diante do deus que eles criaram à imagem e semelhança de suas visões de mundo, de seus preconceitos, de suas vaidades e para legitimar o seu projeto de poder. Feliz a nação cujo Estado é laico e o senhor é a democracia, tendo a Constituição como regra de obediência. O que garante que os direitos e as liberdades individuais sejam garantidos, para que todos exerçam a fé religiosa que quiserem ou que não exerçam fé nenhuma, se assim desejarem.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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